Um barulho tomou a nossa atenção de tal forma, que em alguns segundos nossos corpos brigaram para desvendar tal evento. Em inércia, nos deparamos com aquela bola de fogo flutuando no ar. Não havia perguntas, somente o chão gelado da casa do alto que um dia fora meu medo de morte. Agora não mais a altura me importava, não mais irmãos; somente a dúvida do que seria aquela coisa enorme que tomava o seu nublado de um dia comum. Era Isaias, o menino ao meu lado que em quando em vez, chorava aborrecido de tanto mimo, de tanta juventude. Permeio tanta dúvida, ele retira a atenção concedida a bola de fogo e afirma que é o fim. Que fim? O que é o fim meu grande irmão jovem? Logo tu que não sabes nem como foi o começo? Em instantes vir-me em tormento. Sua voz fina e calma me encheu de pavor:
-É o fim!
Repete sem se importar. Agarro-o desenfreadamente pelo punho, e corro para nos proteger. Seu movimento sublime fazia-me desesperar. Seus punhos eram esquecidos outrora pelos berros que sem força eu dava;
- É o fim! Corram! Se escondam! Vamos morrer!
Ninguém ouviu, nem se moveram. Pensara eu, estou morto, ou meu irmão se enganou. Mas o desespero não passou, corria preso por uma corrente invisível em minhas pernas, mas segurando com força o seu braço já sem movimento próprio. E ao disparar de uma buzina de ensurdecer, seu corpo enraizou no asfalto quente, solavanquei-o sem fixar atenção. Fiz mais forte, mas ele insistiu. Me contive, olhou-me novamente com aquela cara de inocente sem noção do perigo, e me fez desesperar;
-Vai cair. Fala ele como se fosse apenas o cair de uma flor ao chegar o outono. Eu subjetivamente sabia o que iria cair, mas tentava disfarçar o temor. E ele nada, nem um instante exibiu-me receio, parecia sublime, como se estivesse em um sonho, sem medo, sem mãe; como se sozinho pudesse proteger-se do perigo. O desespero continuava oculto entre os transeuntes, e isso só se cessaria após os carros engarrafados pararem em meio a avenida.
Meu carro parou. Fui a procura de algum cadáver. Naquele instante sabia que todos morreram, mas continuei. Me perdi. Procurei o carro que não funcionara mais para voltar ao encontro dele. Neste momento pude ver ele agachado, mas sem medo. O medo era meu, de não conseguir voltar. As pessoas tentavam me informar onde era tal praça em que os carros haviam de parar. Não achava, o pavor tomava conta de mim. Correr já não adiantava, a escuridão da noite alinhava-se no labirinto das ruas, que parecia desconhecida, mas somente parecia. Agarrei-o novamente pelo punho, neste momento chovia pedras em chamas. Parecia proposital, cada uma caia no mesmo local onde tentavamos nos esconder, todos lá fora gritavam aterrorizados pedindo ajuda, e ele nada, nem uma lágrima, um inocente que hoje não é mais. As pedras furavam o teto do alojamento que não me vem a memória como encontrei, e eu continuara a correr da chuva que estava a acabar com a vida na terra.
Ví que o desespero não se extinguia, ví que aquilo tudo não estava para acabar. E ele nada, sempre nada, nem um sorriso para me acalmar, nem um choro que agravasse meu ldesespero. Eu pelo segunda vez olho-o como se nele houvesse a esperança de fuga, mas não. Era nele que meu medo alojava segurança, eu não me importava com quase nada, sabia que todos meus familiares estavam mortos, só queria naquele instante era viver; mas ele não sabia o que era viver, só sabia que era o fim.
- Isa! Não acredito no que está acontecendo! Meu Deus, isso é um sonho, só pode ser um sonho.
Benditas palavras, que me fez tirar a atenção das pedras e do fogo para focar na confirmação de que aquilo tudo não passara de um sonho. Em instantes tudo parou, o fogo se apagou, a chuva não mais caia, apenas aquele rosto moreno em minha frente, sem nenhum sentimento. Sua boca embicou de pena, sua cabeça abaixou aos poucos movendo-se de um lado para o outro. Era uma expressão de tristeza; não pelo fim de todos, mas sim pela indagação infeliz que eu fizera a pouco.
- Não Lipe, infelizmente isso não é um sonho.
Meu coração batia muito mais forte do que antes, as pedras em chamas voltaram a cair em busca de nós. Eu corria, ele não... Vinha arrastado pelos braços a me seguir. Não é possível, pensava eu; como um sonho pode ser tão real? Preciso acordar! E ele volta a dizer como se estivesse em minha mente, que não dava, era o fim, mas pelo menos o fim de todos, não só de nós. Não me recordo se ouví ele afirmar que era a morte de todos.
Recordo-me acordar permeio ao desespero e a dúvida com um clarão no rosto. Fiquei feliz pois o dia hoje amanheceu nublado, pois aquela bola de fogo que me fez achar que era o fim, mais parecia o sol vindo ao encontro da terra.